OS OITO PÁSSAROS DE TECO CURIÓ
Barros Pinho
O dono da fazenda Jaçanã, o verde mais gloriento daqueles brejos, tinha muito de agarrado com os animais e aves de sua terra. Nem pensar em mexer nos seus passarinhos que andavam soltos no ar pela grandolência do céu aberto. Mas o menino Teco Curió, esperto de fazer inveja, já crescidinho em tamanho, quando soltava a gaiola, logo pegava a arapuca. Menino danado, mas sabia viver na afeição de todos os vivos de Jaçanã.
Capitão Juriti se queixava do endemoniado a toda gente que chegava perto de seus ouvidos. Assanhava a história de que nunca se viu menino tão atravessado em travessura - só tendo mesmo parentesco com o capeta.
Teco Curió, o menino da gaiola, gostava de cantar e de assobiar feito canário no cocuruto das árvores ou na cabeceira dos riachos, até à nascente dos rios no arribado das serras.
O capitão Juriti, dono de tudo nos arredores de muitas léguas, não se cansava de ralhar:
―Teco Curió, deixa de armar armadilha de pegar pássaro em minhas terras.
A conversa se mastigava todo o tempo e o tempo todo nas oiças tampadas de Curió. E o menino arrumava mais ainda o seu ofício de assobiar, imitando a passarada que sobre ele volteava de asas abertas, no abanar de borboletas nas veredas pelo inverno. Antes mesmo do sol se debruçar sobre as arrojadas palmeiras de buriti ou nas linheiras de babaçu, o Curió, de gaiola na mão, já era encontrado pelos rendeiros nas levadas do canavial, desmudado em gato, na procura desconfiada, com o olhar comprido nos olhos dos paus, no avevecimento se o canário mais limpo de papo amarelo estava na disposição de ser apanhado de surpresa, ao cantar o canto mais bonito da mata.
Ao dormir, Teco sonhava armando a arapuca da manhã seguinte no descampado das matas, assobiando afiado, ouvido atento e o olhar de seta de serpente encantada no feitiço de índio.
O dono da fazenda Jaçanã, o verde mais gloriento daqueles brejos, tinha muito de agarrado com os animais e aves de sua terra. Nem pensar em mexer nos seus passarinhos que andavam soltos no ar pela grandolência do céu aberto. Mas o menino Teco Curió, esperto de fazer inveja, já crescidinho em tamanho, quando soltava a gaiola, logo pegava a arapuca. Menino danado, mas sabia viver na afeição de todos os vivos de Jaçanã.
Capitão Juriti se queixava do endemoniado a toda gente que chegava perto de seus ouvidos. Assanhava a história de que nunca se viu menino tão atravessado em travessura - só tendo mesmo parentesco com o capeta.
Teco Curió, o menino da gaiola, gostava de cantar e de assobiar feito canário no cocuruto das árvores ou na cabeceira dos riachos, até à nascente dos rios no arribado das serras.
O capitão Juriti, dono de tudo nos arredores de muitas léguas, não se cansava de ralhar:
―Teco Curió, deixa de armar armadilha de pegar pássaro em minhas terras.
A conversa se mastigava todo o tempo e o tempo todo nas oiças tampadas de Curió. E o menino arrumava mais ainda o seu ofício de assobiar, imitando a passarada que sobre ele volteava de asas abertas, no abanar de borboletas nas veredas pelo inverno. Antes mesmo do sol se debruçar sobre as arrojadas palmeiras de buriti ou nas linheiras de babaçu, o Curió, de gaiola na mão, já era encontrado pelos rendeiros nas levadas do canavial, desmudado em gato, na procura desconfiada, com o olhar comprido nos olhos dos paus, no avevecimento se o canário mais limpo de papo amarelo estava na disposição de ser apanhado de surpresa, ao cantar o canto mais bonito da mata.
Ao dormir, Teco sonhava armando a arapuca da manhã seguinte no descampado das matas, assobiando afiado, ouvido atento e o olhar de seta de serpente encantada no feitiço de índio.
O capitão Juriti costumava dizer que a fazenda era sua, sua de herança muito bem arranjada nos propósitos dessa vida. Ficava todo assanhado, se esmerava em zelo e paixão pelos limites de suas posses. De sua terra tinha ciúme até dos relâmpagos que passavam distante pras bandas das extensões leguentas do canavial do Coronel Chico Preto. Assim, o menino Teco Curió, filho do Xexéu, bom destilador de cachaça do engenho Jaçanã, não lhe saia da cabeça. Mesmo dormindo, o danado do menino entrava em seus sonhos, sonhos atormentados como se fossem de quem amarra o destino das almas deste mundo no mourão de sua própria vida.
Meu Deus, quando levanto a vista que esbarro no desmundado bonitamento de minha Jaçanã - brinquedo encantado de outros meninos, não endiabrados como o Curió, o que vejo, meio afogueado, quase dentro das cercas, em atalhos por cima de atalhos, é a gaiola do satanás pequeno se afastando na distância do meu olhar. Desabrigado da sorte, não sei mais o que dizer ou que fazer. Nem Xexéu, o pai desse pedaço de inferno em presença de gente, tem tenência pra dar jeito nele. Do Xexéu não posso me desservir. Ele é bom de trato e de serviço. Preciso dele a toda hora e a todo minuto da santa fé, na arte da serpentina no alambique. Mestre como ele não tem por esse chão coberto pelo lençol de água do riacho Gavião até a sua chegada na boca barrenta do rio Parnaíba.
Meu Deus! E os meus pássaros? O menino devastando tudo numa guerra... Hoje, do modo como as coisas estão, converso mais uma vez com Dona Pombinha, a mãe de Teco Curió, que é feiticeira contra minha vontade e no escondido do marido. Ela faz as coisas no escuro das matas fechadas com o adjutório de sua parceira Dona Jaó, apelidada de Bunda Alegria dos Homens, pelo avantajado de suas carnes, no avistamento de seu traseiro colado com manteiga da terra, para o vício do canavial. De repente, sobe uma fumaça por cima do arvoredo, quando menos se espera na encruzilhada do caminho, está um sapo cururu todo aberto, sem couro, endereçado a uma criatura qualquer do mundo, com umas velas apagadas pelo vento, sendo o vento um cristão da natureza.
O capitão Juriti bate à porta de Dona Pombinha:
- Dona Pombinha, com o respeito devido a uma senhora, a senhora que vive no trato de artes esquisitas e sabe das coisas até de fora das porteiras da minha terra, peço ajuda num desarrranjo com gente de sua família.
- Tá certo, capitão, seja feita a sua vontade.
Tudo ela despachava no fingimento fingidor de alegria.
- O capitão no nosso batente? Deve ser novidade de
festa afortunada da colheita do arroz!
- Não, Dona Pombinha, a festa agora está desarrumando o meu juízo, pois não é que o Curió virou asa de pássaro perseguidor, a voar entre a minha cabeça e os meus olhos sem parar na minha testa? É, Dona Pombinha, já fiz de tudo e o danado do menino não entende que nesta fazenda, neste engenho só o ar é livre porque não posso armazenar para vender num rateio polegada a polegada, por minuto ou no tempo que eu bem quiser, no aproveitar do ganho nos negócios da quitanda. Não suportando mais tanta carga no meu juízo e no meu sono, vim trazer para a senhora, sem mesmo o conhecer de Xexéu, uma proposta de acerto para harmonizar o verde, as águas e a passarinhada de Jaçanã.
―Diga capitão, no abrandado do seu merecimento, o que devo consertar no espírito de Teco? Ele prende as aves nas gaiolas, mas não quer matar os passarinhos, não. Só quer aprender com eles o jeito de voar. Capitão, já estudei a alma que anda no corpo de Curió. O menino tem inclinação de pássaro e se unhou com o vento. E o vento não tem limite no vão da terra. No meu desassossego de mãe, qual é a proposta do Capitão?
―Dona Pombinha, trata-se dum trato de mandar o Teco para a cidade. A muito custo posso pagar as despesas dele até chegar ao destino. A senhora, Dona Pombinha, como mãe vai ter orgulho de seu filho todo em branco como marinheiro, viajando em navio num mar de ondas mais altas do que esse pau-d'arco que a serventia é florar no floramento do campo.
―Capitão, como posso ter o orgulhamento de um filho no vivencer fora de suas folhas e de seus pássaros? O que vai fazer este menino na cidade? A cidade, capitão, engole os peixes miúdos como o rio cheio leva de eito a sua ribanceira.
―Vai pra marinha de Guerra do Brasil. Dona Pombinha, no mar, além dos peixes, têm uns pássaros que andam lado a lado do navio, parecendo um espelho onde se enxerga o tempo passado.
―Capitão, falo por mim e quase me atrevo a falar pelo Xexéu. Sendo seu desejado, não sei se é da vontade do menino Curió enfeitiçado pela sua gaiola, mas seja feita a graça de Deus, ou o capricho dos homens para Teco conhecer terras na aba do sol por aí a fora. Mas Teco, Capitão, já tá no rumo de saber segurar as rédeas de seu próprio cavalo. Não estando na desvalidez Capitão, assim é bom falar com ele.
E o Capitão no seu desmandamento desgovernado dos sem-limites, se dispôs a conversar com Curió.
O Capitão Juriti falava, Teco ouvia, ouvia com o olhar amarrado na copa das árvores à sua frente.
―Capitão, não tenho medo de trovão. O relâmpago boto debaixo do braço. Se me fujo do dono da Jaçanã, não é por atrevimento, é por ter nascido na mata. Me alembro de cantar como os pássaros e de rir com as folhas. Guardo no vento, as assas que o Capitão não tem merecimento de Deus para ver.
Teco, saindo de si, voltou-se para o Capitão:
- Aceito ir para a Marinha, no acertado de um trato derrradeiro de levar comigo a minha gaiola. Não vou Capitão, sem minha gaiola. Fique o senhor sabendo que só viajo para outras terras na companhia de meus pássaros de estimação. Para ser inteiro na verdade, Capitão, Curió não é mais menino; na minha cabeça se aninham oito pássaros voando e cantando numa algazarra de anjo, no rasgar o algodão do céu. E tem mais: na sua jaçanã todas as folhas já viraram asas – o esperado mistério da natureza. Só o homem anda com os pés de fogo, sem nunca se encostar em seu destino.
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