quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

a liturgia do sertão no natal da espera


Barros Pinho


no Natal se dizem coisas diferentes

e a palavra tem sabor de oração

o curso lento dos riachos

se envolve afoito

na volúpia das águas

o canto das aves se faz

em salmo bíblico

na cortina das coisas

a jurema é o pinheiro do sertão

no sol de fogo da caatinga

o aboio do vaqueiro

tem o som da harpa de Davi

no templo azul ao fim da tarde

as crianças dançam a pureza

ao sopro da flauta de vento

no ombro das estrelas

o luar tece uma renda de luz

no ninho de palha

no ventre da mulher

as serpentes recolhem veneno

para alimentar

a insensatez da hipocrisia

nas capelas à beira das estradas

os sinos batem /batem

na noite do campo

na manhã

um concerto de pássaros

reúne violinos

ao compasso da viola

no espelho da sala

da casa de ontem

o retrato dos mortos

salta no rosto da memória

no curral rezam os bois

como anjos solenes

com o olhar no pasto branco do céu

erecto sobre o tempo

o juazeiro espreita a chuva

no evangelho viçoso do verde

as abelhas

na elegância da doçura

espantam a amargura

tecendo labirinto de mel

o Nazareno que acaba de chegar

tem olhos de vaga-lume

que afugenta a treva da terra

o rio Punaré

no passo do gado

cada vez mais próximo de mim

na solidão

Agora

na fazenda São José

a epifania das árvores

celebra a criação

no regaço do mistério

a eucaristia das pedras

na liturgia da espera

é um fio de ouro

no algodão da aurora.

No Natal

o orvalho divino

sacramenta o eterno

no efêmero do homem

sexta-feira, 25 de maio de 2007


No Ceará planta-se no sonho e colhe-se na esperança


o tempo




ora se o minuto
pode conter
a eternidade
mais eterno
é o beijo
por muitos
e muitos séculos
no corpo que não se ama
por não haver
tempo na história.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Barros Pinho definindo o municipalista Américo Barreira:

"Era de luz seu pensamento e de fogo a sua palavra."

Referência de Américo Barreira

"Professor e Deputado Estadual Barros Pinho, companheiro das agruras da prisão em 1964".


“ O homem precisa de lucidez para garantir a fantasia do sonho do poeta. Ninguém é poeta sem o sonho e sem o mistério”.
Barros Pinho


— “Carta do Pássaro” traz poemas autobiográficos?

Barros Pinho - Toda a literatura traz a marca da vida do autor, sendo um pouco autobiográfica. “A Carta do Pássaro” é a realidade e a fantasia de minhas vivências na infância, no engenho do meu avô à beira do rio Parnaíba. Rio que leva e lava a minha solidão.

— Parece-me que o senhor é romântico e também religioso. Estes dois vértices são constantes na sua poesia?Barros Pinho - Sou romântico pelo avesso. Os pés no chão é a vida, a realidade. Não se pode fugir da vida, da realidade. O dedo no céu é o sonho, o encanto, a aventura de viver. O sublime presidindo o destino do poeta.

— O senhor passou parte da infância na ribeira do Parnaíba, engenho do seu avô. Que lembranças mais fortes o senhor trouxe para “Carta do Pássaro”?

Barros Pinho - A “Carta do Pássaro” é marcada pelo azul, pelo vermelho e pela terra. O rio Parnaíba, a infância, o cordel, o engenho da cana de açúcar, as chapadas, as matas do Guabiraba e das morenas cheirando a leite. A mulher e o rio estão dentro do texto como se estivessem saindo da minha alma. Completam-se no ritmo e na palavra. Não há limites entre o sonho, fantasia e realidade. Somente o rio que leva e lava a minha solidão.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

O SALMO DOS CAMINHOS


(poema inédito para o "Livro dos Rios/
Conversão das Águas)



nos meus pés carrego muitos caminhos
o dos ventos no castigo das pedras
nos meus ouvidos toca harpa de asas
borboletas na estação das chuvas
nas mãos aspejo a súplica do inverno
riachos arrastam folhas na minha cabeça aflita
os rios contornam a guerra
na paz úmida
da palavra semântica
da espera onde arrecado
volumes de sombras
tecendo abismos no mistério
no justo o triste consome a traição dos ímpios
no perdão sálmico das árvores ao entregar-se ao Sol
vive-se a plenitude na estranha indiferença da inveja
ao inimigos do sonho basta o tormento da insônia
aos peixes na água rasa a solicitude dos santos
nos mortos os pássaros acendem o lumiar da aurora

quarta-feira, 16 de maio de 2007

TERRA DAS ÁGUAS



terra molhada pelo parnaíba
terra de serrotes ondulados
de longes planícies preguiçosas
que se abrem para o encontro
do conquistador Jorge velho
com o nativo vaqueiro feito na terra
passo do gado nas paragens do sem-fim

terra rude no desejo quase obsessão
do cansado garimpeiro de encontrar
as pedras que não perdeu nas águas
do rio que não conhecia

terra de imensos canaviais
verde verde pássaro da esperança
de longos bananais perdidos nos aluviões
onde meus avós colhem arroz ao sol da manhã
no amor bem próximo da saudade

terra de onça pintada espreitadeira
de paca tatu cotia veado na aventura do caçador
das morenas cheirando a leite no botão dos peitos
nos sambas intermináveis dentro do luar

terra das águas barrentas do parnaíba
teu homem tem na natureza o destino das canoas
sobe e desce o rio a remar a remar até nunca parar
só as estrelas nos atalhos das veredas do céu