quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

a liturgia do sertão no natal da espera


Barros Pinho


no Natal se dizem coisas diferentes

e a palavra tem sabor de oração

o curso lento dos riachos

se envolve afoito

na volúpia das águas

o canto das aves se faz

em salmo bíblico

na cortina das coisas

a jurema é o pinheiro do sertão

no sol de fogo da caatinga

o aboio do vaqueiro

tem o som da harpa de Davi

no templo azul ao fim da tarde

as crianças dançam a pureza

ao sopro da flauta de vento

no ombro das estrelas

o luar tece uma renda de luz

no ninho de palha

no ventre da mulher

as serpentes recolhem veneno

para alimentar

a insensatez da hipocrisia

nas capelas à beira das estradas

os sinos batem /batem

na noite do campo

na manhã

um concerto de pássaros

reúne violinos

ao compasso da viola

no espelho da sala

da casa de ontem

o retrato dos mortos

salta no rosto da memória

no curral rezam os bois

como anjos solenes

com o olhar no pasto branco do céu

erecto sobre o tempo

o juazeiro espreita a chuva

no evangelho viçoso do verde

as abelhas

na elegância da doçura

espantam a amargura

tecendo labirinto de mel

o Nazareno que acaba de chegar

tem olhos de vaga-lume

que afugenta a treva da terra

o rio Punaré

no passo do gado

cada vez mais próximo de mim

na solidão

Agora

na fazenda São José

a epifania das árvores

celebra a criação

no regaço do mistério

a eucaristia das pedras

na liturgia da espera

é um fio de ouro

no algodão da aurora.

No Natal

o orvalho divino

sacramenta o eterno

no efêmero do homem

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