a liturgia do sertão no natal da espera
Barros Pinho
no Natal se dizem coisas diferentes
e a palavra tem sabor de oração
o curso lento dos riachos
se envolve afoito
na volúpia das águas
o canto das aves se faz
em salmo bíblico
na cortina das coisas
a jurema é o pinheiro do sertão
no sol de fogo da caatinga
o aboio do vaqueiro
tem o som da harpa de Davi
no templo azul ao fim da tarde
as crianças dançam a pureza
ao sopro da flauta de vento
no ombro das estrelas
o luar tece uma renda de luz
no ninho de palha
no ventre da mulher
as serpentes recolhem veneno
para alimentar
a insensatez da hipocrisia
nas capelas à beira das estradas
os sinos batem /batem
na noite do campo
na manhã
um concerto de pássaros
reúne violinos
ao compasso da viola
no espelho da sala
da casa de ontem
o retrato dos mortos
salta no rosto da memória
no curral rezam os bois
como anjos solenes
com o olhar no pasto branco do céu
erecto sobre o tempo
o juazeiro espreita a chuva
no evangelho viçoso do verde
as abelhas
na elegância da doçura
espantam a amargura
tecendo labirinto de mel
o Nazareno que acaba de chegar
tem olhos de vaga-lume
que afugenta a treva da terra
o rio Punaré
no passo do gado
cada vez mais próximo de mim
na solidão
Agora
na fazenda São José
a epifania das árvores
celebra a criação
no regaço do mistério
a eucaristia das pedras
na liturgia da espera
é um fio de ouro
no algodão da aurora.
No Natal
o orvalho divino
sacramenta o eterno
no efêmero do homem
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