quinta-feira, 10 de maio de 2007

CRÍTICA ao livro "CARTA DO PÁSSARO"
POESIA E TRANSCENDÊNCIA


Pedro Paulo Montenegro



A leitura de Carta do Pássaro, de Barros Pinho, desde o primeiro momento, nos obriga a uma séria reflexão sobre a natureza e o valor da Poesia.

Acode-nos de logo a assertiva de Heidgger comentando Hölderlin: “A Poesia é a fundação do ser pela palavra.” O escritor tem que evocar no leitor, imagens e sentimentos e a poesia se centra na associação de sons, imagens e idéias.

Se todos os homens não são poetas, têm, pelo menos, atitudes poéticas de expectativas ante poemas lidos ou ouvidos e, na vida diária, criam associações mais ou menos evidentes, ou à base de sons repetidos ou de alguma cadência rítmica. Outras vezes relacionam imagens mais virtuosas ou mais perversas. Em todos os casos trabalham a linguagem, matéria prima da literatura em geral e da poesia em particular.

Cada verso que o poeta escreve aguça a imaginação emotiva e o leva a novas descobertas que, por sua vez, a outras conduz. São as palavras mesmas do poema que operando sobre o autor, originam a cadeia expressiva.

Como afirma Carlos Bousoño, em sua Teoria de la Expresión Poética, “Poesia é percepção de emoções, evocação serena de impressões e sensações, isto é, uma contemplação capaz de produzir sentimentos estéticos de prazer e alegria”. E insiste: “há uma infinita distância entre contemplar e viver, entre poesia e realidade, entre linguagem e realidade". E mais : “O que se comunica não é um conteúdo anímico real, mas imaginário”.

Assim chega à sua definição: “poesia é a comunicação de um conteúdo anímico, em seu tríplice aspecto conceitual, sensorial e afetivo ou volitivo”.

Mas trata logo de esclarecer Bousoño: “A comunicação do autor é imaginária, mas a do poema é real, o que vale dizer que um personagem fictício nos transmite a representação que no poema está depositada.”

A angústia, a paisagem, as coisas e, eventualmente o homem e o mundo existem em função de serem as raízes da produção poética de Barros Pinho. Sua poesia se enquadra, pelo lirismo e técnica, na poética moderna. Seu lirismo é sempre participante sem envolvimento político-ideológico, pairando no universal humano.

Decorrência dessa natureza lírica, nesta Carta do Pássaro, é a perfeita contextura entre significante e significado na formação da palavra poeticamente exata, na construção de beleza da linguagem, bela por essência porque confessionalmente fruto de um temperamento e uma visão-do-mundo que são estilo.

Exatamente isso. Os poetas se apoiam numa linguagem mais precisa e radical do que a fala, uma linguagem literária que vem a ser o estilo como visão-do-mundo. Aí surgem imagens, cores, rítmos, visões que se concretizam em poemas.

O poeta é um mago e a poesia é um tato espiritual para as coisas transcendentes, presentes nas coisas triviais que todo mundo vê, mas só em sua trivialidade. Isso porque habituados a se moverem em regiões misteriosas, obscuras, submarinas e subterrâneas, os poetas guardam o passo leve, o gesto fino, o discernimento delicado, que lhes proporcionam evitar deslizes e quedas que políticos, pensadores e até filósofos não conseguem evitar. Em muitas coisas os poetas – os legítimos – vêem mais fundo que os reformadores sociais e os psicólogos construtores de sistemas. Entre elas, o amor, a angústia, o desespero, a saudade, as lágrimas...
Em Carta do Pássaro percebemos nítidos alguns temas dominantes e recorrentes como amor e paixão, tempo e solidão, recordação e saudade, natureza e sexualidade, mística e mistério. Sobre todas elas perpassam forte sentimento de amor e verdadeiro encantamento com suas terras piauienses e seu grande Parnaíba. Amor e encantamento transformados em mística e mistério, por conseguinte numa religião da terra e da natureza.

As tradicionais figuras da Retórica tradicional: de supressão, de repetição, de concordância e colocação, as próprias figuras de pensamento, como prosopopéia, hipérbole, antítese e comparação, embora ocasionalmente encontradas nestes poemas de Barros Pinho, não são suficientes para uma análise mais minunciosa e percuciente da sua construção. Temos que recorrer a figuras daquilo que Carlos Bousoño chama “Irracionalidade da Poesia Contemporânea”: Sinestesia, Imagens Visionárias, Visão, Símbolo, Superposição (temporal, espacial, situacional, significacioonal), para sentirmos toda a força e eficácia de sua mensagem.
Dentro ainda da nota de mística, mistério e religião já aludida, está a influência da leitura bíblica de salmos e parábolas evangélicas, levando-nos tudo a uma conclusão valorativa: - a grande força poética de Barros Pinho é proveniente de sua linguagem, matéria prima, é claro, de toda arte verbal, mas quando trabalhada à exaustão pelo artista, como é o seu caso, tem a magia da transformação, da sugerência e da atração.

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